Terceira Civilização - Edição
408 - Publicado em 01/Agosto/2002 - Página 3
O conceito de carma é certamente um dos pilares
fundamentais de toda a doutrina budista. É tão importante para a compreensão de
certos aspectos filosóficos que seu uso já extrapolou os próprios budistas,
sendo normalmente empregado por não-budistas e até mesmo não-religiosos.
A idéia de carma (do sânscrito karma ou karmam, significando “ação”), ou de que tudo é regido por causas e efeitos, bem como a concepção de que a vida passa pelo infinito ciclo de nascimento e morte, na verdade são anteriores ao surgimento do budismo, fazendo parte de diversas filosofias originárias da Índia e região. Entretanto, a partir do advento do budismo, esses conceitos foram reinterpretados, fornecendo então uma nova visão de vida às pessoas.
Em sua acepção mais simples, o conceito de causa e efeito encontra similaridade em diversas áreas da cultura e do conhecimento humano, da física à biologia, da matemática às ciências humanas. Mesmo em relação a outras correntes religiosas, existe o consenso de que atitudes positivas ou negativas geram efeitos do mesmo quilate. Entretanto, a visão budista de causa e efeito tem como principal diferencial o fato de que o resultado dessas atitudes não será determinado pelo julgamento de uma entidade externa e superior, mas sim em decorrência de um processo natural à própria vida e ao Universo.
A doutrina budista afirma que, basicamente, as causas podem ser formadas por meio de pensamentos, palavras e ações. Essas causas permanecem então “depositadas” na vida do indivíduo, e esse repositório constitui-se assim no carma de determinada pessoa.
O Budismo Mahayana considera que as ações cármicas ficam depositadas na oitava de um total de nove consciências, ou seja, na consciência alaya (“repositório” ou “depósito”, em sânscrito).
As primeiras cinco consciências correspondem à percepção de cada um dos cinco sentidos: visão, audição, olfato, paladar e tato.
A sexta consciência refere-se ao instinto, ou seja, o poder de integrar os cinco sentidos e reagir de acordo.
A sétima consciência, denominada mano ou manas, corresponde à capacidade exclusiva dos seres humanos de pensar e fazer julgamentos com base na razão.
E é na oitava consciência, alaya, que o resultado das experiências vividas é “arquivado” e que novas ações mentais são produzidas. Portanto, existência após existência, essa consciência carrega o resultado das causas efetuadas ao longo da vida e dá origem a outras. Esse carma não diminui nem desaparece por si só, e o seu efeito manifesta-se conforme a presença de estímulos apropriados.
A nona consciência, denominada amala (“imaculada”, em sânscrito), corresponde ao nível mais profundo da vida humana, livre da influência de qualquer causa realizada. Trata-se do “eu” essencial representado pelo estado de Buda. A partir de sua influência, criam-se as reais condições para transformar positivamente qualquer espécie de carma. Essa idéia também é expressa pela analogia com a flor de lótus, cujo desabrochar puro permanece imaculado em meio às impurezas do pântano lamacento e que deu origem ao mais importante tratado budista a respeito, o Sutra de Lótus.
“A flor de mahamandara no céu e a flor de cerejeira no mundo humano são notórias, mas o Buda não escolheu nenhuma delas para ser equiparada ao Sutra de Lótus. De todas as flores, ele selecionou a flor de lótus para simbolizar o Sutra de Lótus. Há uma razão para isso. Algumas plantas primeiro florescem e depois produzem frutos, ao passo que em outras os frutos aparecem antes das flores. Algumas geram somente uma flor, mas muitos frutos, outras dão frutos sem florirem. Desse modo, há várias espécies de plantas, mas o lótus é o único que produz flores e frutos simultaneamente. O benefício de todos os outros sutras são incertos, pois ensinam que a pessoa deve primeiro fazer boas causas e, só então, poderá tornar-se um buda em algum tempo a seguir. O Sutra de Lótus é completamente diferente. Uma mão que o segura imediatamente atinge a iluminação, e uma boca que o recita instantaneamente entra no estado de Buda, assim como a Lua é refletida na água no momento em que se eleva por detrás das montanhas do leste, ou como o som e seu eco surgem concomitantemente. É por isso que o sutra afirma: ‘Entre aqueles que ouvem esta Lei, não existe ninguém que não atingirá o estado de Buda’. Essa passagem indica que se houver cem ou mil pessoas que abracem este sutra, sem uma única exceção, todas as cem ou mil delas tornar-se-ão budas.” (“Wu-lung e I-lung”, As Escrituras de Nitiren Daishonin [END], vol. 4, pág. 295.)
Nitiren Daishonin relacionou o conceito da lei de causa e efeito ao termo myoho (lei mística) e incorporou-o a um mandala, o Gohonzon. No centro desse objeto de devoção, encontram-se as palavras Nam-myoho-rengue-kyo Nitiren, as quais possuem em comum a utilização do caractere ren, que significa “lótus”. Tal fato não só enfatiza a supremacia do Sutra de Lótus em relação aos demais ensinos de Sakyamuni, como também remete a um dos principais conceitos do sistema filosófico budista referente à lei de causa e efeito, cuja simultaneidade é simbolizada pela germinação das flores e dos frutos do lótus.
A Lei Mística (myoho) corresponde à realidade fundamental de todos os fenômenos que transcende as três existências da vida — passado, presente e futuro. A lei de causa e efeito (rengue) é a maneira pela qual essa verdade manifesta-se em nossa realidade. Assim sendo, a compreensão da natureza da lei da causalidade e seus desdobramentos é a chave para a transformação fundamental da vida.
Diferentemente da conotação que a palavra “lei” adquire em outros campos da sociedade, no contexto dos ensinos budistas ela equivale ao termo sânscrito dharma, indicativo tanto dos ensinos do Buda como da verdade para a qual ele despertou em relação à natureza do Universo. Desse fato extrai-se a importante constatação de que essa “lei” não foi criada por outras pessoas (leis sociais) nem por um ente superior (leis divinas), cabendo a cada indivíduo desenvolver a percepção necessária da realidade dos fenômenos a fim de direcionar-se para a felicidade. Essa percepção é exercitada por meio da prática budista, que visa à manifestação dessa lei no plano individual e interior da vida como base também para a reforma do ambiente externo.
A idéia de carma (do sânscrito karma ou karmam, significando “ação”), ou de que tudo é regido por causas e efeitos, bem como a concepção de que a vida passa pelo infinito ciclo de nascimento e morte, na verdade são anteriores ao surgimento do budismo, fazendo parte de diversas filosofias originárias da Índia e região. Entretanto, a partir do advento do budismo, esses conceitos foram reinterpretados, fornecendo então uma nova visão de vida às pessoas.
Em sua acepção mais simples, o conceito de causa e efeito encontra similaridade em diversas áreas da cultura e do conhecimento humano, da física à biologia, da matemática às ciências humanas. Mesmo em relação a outras correntes religiosas, existe o consenso de que atitudes positivas ou negativas geram efeitos do mesmo quilate. Entretanto, a visão budista de causa e efeito tem como principal diferencial o fato de que o resultado dessas atitudes não será determinado pelo julgamento de uma entidade externa e superior, mas sim em decorrência de um processo natural à própria vida e ao Universo.
A doutrina budista afirma que, basicamente, as causas podem ser formadas por meio de pensamentos, palavras e ações. Essas causas permanecem então “depositadas” na vida do indivíduo, e esse repositório constitui-se assim no carma de determinada pessoa.
O Budismo Mahayana considera que as ações cármicas ficam depositadas na oitava de um total de nove consciências, ou seja, na consciência alaya (“repositório” ou “depósito”, em sânscrito).
As primeiras cinco consciências correspondem à percepção de cada um dos cinco sentidos: visão, audição, olfato, paladar e tato.
A sexta consciência refere-se ao instinto, ou seja, o poder de integrar os cinco sentidos e reagir de acordo.
A sétima consciência, denominada mano ou manas, corresponde à capacidade exclusiva dos seres humanos de pensar e fazer julgamentos com base na razão.
E é na oitava consciência, alaya, que o resultado das experiências vividas é “arquivado” e que novas ações mentais são produzidas. Portanto, existência após existência, essa consciência carrega o resultado das causas efetuadas ao longo da vida e dá origem a outras. Esse carma não diminui nem desaparece por si só, e o seu efeito manifesta-se conforme a presença de estímulos apropriados.
A nona consciência, denominada amala (“imaculada”, em sânscrito), corresponde ao nível mais profundo da vida humana, livre da influência de qualquer causa realizada. Trata-se do “eu” essencial representado pelo estado de Buda. A partir de sua influência, criam-se as reais condições para transformar positivamente qualquer espécie de carma. Essa idéia também é expressa pela analogia com a flor de lótus, cujo desabrochar puro permanece imaculado em meio às impurezas do pântano lamacento e que deu origem ao mais importante tratado budista a respeito, o Sutra de Lótus.
“A flor de mahamandara no céu e a flor de cerejeira no mundo humano são notórias, mas o Buda não escolheu nenhuma delas para ser equiparada ao Sutra de Lótus. De todas as flores, ele selecionou a flor de lótus para simbolizar o Sutra de Lótus. Há uma razão para isso. Algumas plantas primeiro florescem e depois produzem frutos, ao passo que em outras os frutos aparecem antes das flores. Algumas geram somente uma flor, mas muitos frutos, outras dão frutos sem florirem. Desse modo, há várias espécies de plantas, mas o lótus é o único que produz flores e frutos simultaneamente. O benefício de todos os outros sutras são incertos, pois ensinam que a pessoa deve primeiro fazer boas causas e, só então, poderá tornar-se um buda em algum tempo a seguir. O Sutra de Lótus é completamente diferente. Uma mão que o segura imediatamente atinge a iluminação, e uma boca que o recita instantaneamente entra no estado de Buda, assim como a Lua é refletida na água no momento em que se eleva por detrás das montanhas do leste, ou como o som e seu eco surgem concomitantemente. É por isso que o sutra afirma: ‘Entre aqueles que ouvem esta Lei, não existe ninguém que não atingirá o estado de Buda’. Essa passagem indica que se houver cem ou mil pessoas que abracem este sutra, sem uma única exceção, todas as cem ou mil delas tornar-se-ão budas.” (“Wu-lung e I-lung”, As Escrituras de Nitiren Daishonin [END], vol. 4, pág. 295.)
Nitiren Daishonin relacionou o conceito da lei de causa e efeito ao termo myoho (lei mística) e incorporou-o a um mandala, o Gohonzon. No centro desse objeto de devoção, encontram-se as palavras Nam-myoho-rengue-kyo Nitiren, as quais possuem em comum a utilização do caractere ren, que significa “lótus”. Tal fato não só enfatiza a supremacia do Sutra de Lótus em relação aos demais ensinos de Sakyamuni, como também remete a um dos principais conceitos do sistema filosófico budista referente à lei de causa e efeito, cuja simultaneidade é simbolizada pela germinação das flores e dos frutos do lótus.
A Lei Mística (myoho) corresponde à realidade fundamental de todos os fenômenos que transcende as três existências da vida — passado, presente e futuro. A lei de causa e efeito (rengue) é a maneira pela qual essa verdade manifesta-se em nossa realidade. Assim sendo, a compreensão da natureza da lei da causalidade e seus desdobramentos é a chave para a transformação fundamental da vida.
Diferentemente da conotação que a palavra “lei” adquire em outros campos da sociedade, no contexto dos ensinos budistas ela equivale ao termo sânscrito dharma, indicativo tanto dos ensinos do Buda como da verdade para a qual ele despertou em relação à natureza do Universo. Desse fato extrai-se a importante constatação de que essa “lei” não foi criada por outras pessoas (leis sociais) nem por um ente superior (leis divinas), cabendo a cada indivíduo desenvolver a percepção necessária da realidade dos fenômenos a fim de direcionar-se para a felicidade. Essa percepção é exercitada por meio da prática budista, que visa à manifestação dessa lei no plano individual e interior da vida como base também para a reforma do ambiente externo.
Transformando o carma
O carma pode ser classificado de diversas formas. Causas positivas ou negativas geram o efeito correspondente. Além disso, os efeitos desse carma dependerão do tipo de ações executadas (pensamentos, palavras ou ações), da força da intenção relativa a essas ações e do objeto ou da pessoa aos quais elas foram direcionadas.
Uma outra forma de classificação do carma diz respeito à mutabilidade. Geralmente, acredita-se que as causas mais leves criam o carma mutável, enquanto que as mais graves geram o imutável. No caso do carma mutável, não existe um momento específico para que surjam seus efeitos, os quais também não são fixos. A maioria das ações das pessoas enquadra-se nesse tipo de carma. Já o carma imutável é causado por atitudes extremamente graves ou excepcionalmente boas. Normalmente mostra seus efeitos em um momento específico, seja na existência presente seja nas futuras. O ato de caluniar a Lei enquadra-se nessa espécie de carma. Como um dos efeitos do carma imutável, cita-se a duração da existência de uma pessoa.
O carma mutável pode ser modificado por meio da melhoria no comportamento diário, mas o imutável só pode ser transformado pela prática budista. Isso ocorre porque normalmente ao tentar escapar dos efeitos do mau carma, as pessoas criam novas causas negativas, permanecendo em um ciclo de sofrimento e causas negativas. A denominação “carma imutável” provém do fato de que, embora possam ser realizadas causas positivas, esse tipo de carma não pode ser mudado fundamentalmente, sendo necessário sofrer seus efeitos. Entretanto, ao se realizar a prática budista, é possível evidenciar uma energia, determinação e sabedoria de tal forma que se contraponha ao efeito gerado, fazendo com que a vida da pessoa seja fortalecida e ela acabe superando o efeito negativo.
Na escritura de Nitiren Daishonin “A Transformação do Carma Determinado” consta a seguinte frase: “De maneira semelhante, o carma pode ser dividido em duas categorias: determinado (mutável) e indeterminado (imutável). Devido ao fato de que até mesmo o carma determinado pode ser erradicado por meio do completo e genuíno arrependimento, é desnecessário dizer que o carma indeterminado pode também ser totalmente transformado.” (END, vol. 1, pág. 215.) O Sutra Fuguen declara: “O mar de todos os obstáculos cármicos surge das ilusões. Se deseja arrepender-se de seus maus atos, sente-se ereto e medite sobre a verdadeira entidade da vida. Então, todas as suas ofensas se desvanecerão como gotas de orvalho sob a luz do sol.”
Cabe ressaltar que os termos “ser totalmente transformado” ou “dissipar-se” não se referem à idéia de que uma pessoa não sofrerá os efeitos do carma, mas que ela poderá transformá-lo. O sincero arrependimento (correspondente ao princípio budista de zangue) surge quando se enfrenta grandes dificuldades e se compreende que elas decorrem do próprio carma negativo. A frase “sente-se ereto e medite sobre a verdadeira entidade da vida” indica o ato de recitar o Daimoku. Disso entende-se que, por mais que hajam causas positivas, não é possível amenizar o carma se não houver um arrependimento sincero pelas causas negativas. Essa questão ultrapassa amplamente a atitude de simplesmente nutrir algum sentimento de culpa pelas causas passadas e se aprofunda no sentido de compreender perfeitamente a natureza dos sofrimentos e realizar a prática adequada para que seus efeitos não desviem a pessoa do correto caminho rumo à felicidade absoluta. Pelo contrário, os ensinos budistas postulam que se deve fazer dos sofrimentos causas para o próprio desenvolvimento. Este é o princípio de hendoku iyaku, ou seja, “transformar o veneno em remédio”.
Em outra escritura, “Amenizar o Efeito Cármico”, o Buda Original afirma: “O Sutra do Nirvana ensina o princípio de tenju kyoju, que significa ‘amenizar o efeito cármico’. Se o mau carma do passado de uma pessoa não é expiado nesta existência, ela deverá passar pelos sofrimentos do Inferno no futuro. Mas, se experimentar extremas privações nesta existência por causa do Sutra de Lótus, os sofrimentos do Inferno dissipar-se-ão instantaneamente. Quando morrer, obterá os benefícios da Alegria e Tranqüilidade, assim como os dos Três Veículos e os do Supremo Veículo.” (END, vol. 1, pág. 233.)
Na frase do Sutra Fuguen anteriormente citada, o termo “sol da sabedoria iluminada” refere-se ao Nam-myoho-rengue-kyo. Em outras palavras, indica o estado de Buda latente na vida de uma pessoa no nível da nona consciência. Ao realizarmos a prática budista com máxima sinceridade e fé, ativamos esse nível fundamental de consciência, que pode transformar o carma acumulado no nível anterior da consciência alaya, bem como influenciar positivamente a ação das demais consciências. Assim, conforme indica o princípio de amenizar o efeito cármico, podemos experimentar os efeitos do carma imutável de maneira mais branda e erradicá-lo mais brevemente do que o faríamos sem a prática budista.
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